sábado, 13 de outubro de 2012

Personagens pós modernos




Saga de Serafim

Serafim é um cabra feio, não pouco...muito feio! Morador de algum kitnet, de algum prédio velho sem elevador, no antro da putaria do Centro de alguma metrópole. Ainda por cima de meia idade, magro, excessivamente magro e mal vestido, pra piorar o caldo: desempregado a dois anos e contando com a ajuda do irmão. 


O dinheiro era pouco, isolamento atenuado, depois de tanto e tanto batalhar por um trampo: pirou! Teve um atenuante pra sua loucura: ouviu um dia a sua vizinha ditar alto a senha da internet...pegou um papel e anotou, aquele computador velho que quase travava com o bloco de notas, ao menos servia pra navegar e ele navegou.

-Tá foda...não me resta nada a fazer! A vida é uma puta emboscada, dane-se, eu vou é escrever...E seu irmão ligava sempre , como que um Théo assessorando um Van Gogh da mídia, ou da merda...Está tudo bem Teotônio, estou sobrevivendo, estou quase conseguindo, esperando respostas.

Secava então o suor da mentira, escorrido através de seus escassos cabelos grisalhos, dividido em fiapos...lá embaixo da lateral direita, pra tentar tampar o topo sem cabelo algum. E seguia em frente, ao meio dos farrapos do seu apê, sabe carpete cinza, que nem existe mais? Com furos de cigarro...cama portátil de mola e tecido rasgado, cartazes embolorados de art noveau cercando quadro fotinhos de sua infância, com 5 poses de recorte circular enevoado, sob o fundo branco, que criança feliz...

Debochando não...ele era uma criança feliz, a ausência dos brinquedos atrofiou o cérebro para o cotidiano, mas elaborou sua imaginação..Imaginação? Nesse ser símbolo da decrepitude humana? Sim...imaginação, aliás, era ela que o mantinha vivo nesse quadro monocromático de cinzas e cores cinza, mofos, bolores e o vintage sem etiquetas.

Não dá pra esquecer, que em um canto largado da sala de seu inferno, jaziam livros clássicos, escritores emprateleirados, Rimbauds, Bukowskis, Virgínias...Lord Byrons...Dantes, contos, muitos contos, uma vitrola com o plástico que nem a natureza destrói, lps que até os cupins haviam esquecido. E no mundo das idéias da internet, ele foi aprimorando o conteúdo dos seus delírios, apesar do mundo das formas em nada corresponder.

Montou um perfil no facebook, criou um blog...se embrenhou no mundo das amizades virtuais...Teotônio que se dane: Ligava pra saber se o irmão procurava trampo...quase, quase irmão...aguardo resposta. 

Ali, naquele mundo ele foi criando o contra-peso das suas paisagens, do seu universo real, como que houvesse um cordão umbilical ligado às entranhas dos seus sonhos, direto pra rede. Direto mesmo, pois não há como se imaginar a beleza fluindo de tanta, mas tanta desgraça. Ele foi aprendendo...aprendendo a conversar, e a conquistar.

Insone o puto, ainda por cima...e cada vez mais o que estava a sua volta foi se tornando fumaça, e quase invisível...Serafim estava vivo ... Serafim Kane, esse era o seu nick name: Misto de galã descolado, com pegador intelectual, não...ele não falava de marcas, pois afinal de contas, ele levantou uma bandeira contra a nossa era e o início dos novos tempos, e seu discurso era coerente...no twiter...aaaaah, quanto seguidores!!! Surgiu primeiro apoio, depois patrocínio...dava pra fazer tudo ali mesmo, sentado em sua cadeira de forro todo cagado.

Serafim foi crescendo no mundo virtual...cada vez mais, quem seria esse homem que ilustrava seu perfil sempre com fotos de gênios, profetas, astros, pintores? Quem é esse homem que pretende mudar o mundo? As notícias começaram a se espalhar: Tantas denúncias ele fez, dezenas de movimentos encabeçou, convidado dos mais famosos podcasts, era sinônimo de audiência, convidado para eventos físicos que obviamente não comparecia. O cretino revolucionou o mercado de trabalho: Agora é possível viver de sua essência, as oportunidades são enormes e te permitem que você trabalhe em cada. Ele usava o lema: "Use a rede como a janela para o mundo e não como a tampa do lixo!"

Chegou ao ponto de que cada "ai" que ele dissesse, era ovacionado...

Todos os dias todos aguardavam a atualização dos seus feeds, a publicação dos seus casts, seus posts, compartilhamentos, memes...sucessos do youtube...

O primeiro dia sem sua presença nessas mídias, já gerou imediatamente desespero e polêmica: Ele deve estar montando um Teaser...se trata de uma campanha de mídia e ele vai aparecer, louro alto, forte e de barba cerrada, curvas tatuadas no ante-braço, no seu carro do ano, cercado de mulheres...mas não apareceu nesse dia. Nem nos dias subsequentes.

Sim, ele escrevia pro irmão através do face e o mesmo sempre apagava suas msg crendo ser delírio, Serafim havia relatado por msg todas as suas façanhas, Serafim planejou documentar todos os seus posts em seu nome verdadeiro: Contos, crônicas, poesias, mas o seu irmão, ao qual ele confiou as suas memórias, era apenas um filho da puta de marchand de quadros antigos...e sua obra se perdeu, sufocada pelos rios do mainstream, e jamais perpetuada pelo ou menos através de uma porra de um backup cujo id encontrasse o seu endereço...não foi encontrado.

O mundo sofreu por poucos dias...revolucionários e seguidores de todas as cidades foram pras ruas lamentar a morte de um provável mito de 15 minutos, inclusive no Centro da sua cidade a manifestação passou na frente de seu apê...uma senhora sentiu um cheiro de podre e chamou o serviço pra arrombar a porta e remover o corpo...mas o corpo de bombeiros não iria atrapalhar aquela passeata, por causa da morte de um homem comum. 

E assim ele se dissolveu como a naftalina dos armários do seu minúsculo apartamento, o mundo das idéias o acolheu, mas no das formas não é possível existir um ser assim, enfim...apenas um Serafim.

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