quarta-feira, 3 de outubro de 2012

País das clínicas de aborto luxo e hospitais públicos lixo!




Atendimento na Rua Mariana e no Hospital Público, infelizmente caso real.

Andei pensando muito sobre a ilicitude...e sobre a frase de Paulo de Tarso:"Tudo me é permitido, porém nem tudo me é licito, e nem tudo me convém”

E divaguei que estamos em um mundo em que várias coisas que não nos convém, talvez devessem se tornar lícitas...simplesmente por que sempre vão existir. A ilicitude cria vítimas, criminosos, usurpadores...cria uma corja além de anjos. 


Sempre fui crítica e moralista com relação ao aborto: Analisando hoje, vi mulheres do morro abortar, se enfiando permaganato e parindo bebê queimado, ainda com vida, até morrer, presenciei várias histórias horrendas na infância, o colégio passava anualmente campanhas assombrosas pra coibir o aborto. Ele sempre vai existir, eu sempre critiquei, até o dia em que me vi sem possibilidades de criar mais um filho, nessa hora, lembrei de várias mulheres que puseram sua vida em risco...na época da minha avó, as mulheres chegavam ao cúmulo de injetarem algo no útero periódicamente, ao ponto de secá-lo. Ainda acho o aborto errado, ele é fruto de ignorância, mas sou à favor da legalização.

Vislumbrei o livre arbítrio de uma forma nua e crua como nunca havia vislumbrado. Mas deveríamos ter apoio para fazer coisas “erradas”? Ao menos apartir do momento que com isso teríamos o caminho livre para errar comprometendo o menor número de pessoas o possível? Resposta difícil...

Cheguei em Botafogo apavorada...eu que nem colar em provas nunca tive coragem, me vi incorporando “a criminosa”, sem procurar artifícios para amenizar minhas culpas e aliviar minha mente, mas também sem sofrer como acreditava que sofreria...apenas na real expectativa do dia em que vou expiar, ou não essa pena...mea culpa...pois minha única justificativa, não me absolve e sim me condena: A corvardia, traduz-se: O medo, porém talvez seja esse o impulso para a maioria dos crimes cometidos por aqueles que não possuem nenhum tipo de psicopatia, o que espero eu que seja o meu caso.

Fiz em média as contas de o quanto as clínicas de aborto ganham por mês, e pela quantidade de mulheres que vi ali, passa de 1 milhão mensal, certamente uma boa parte vai para a Polícia Federal, que deveria estar ao nosso dispor quando quiséssemos um atendimento em um hospital público.

Escondi o dinheiro no sapato, pois o local devia ser visado: Se está entrando ali, está com dinheiro vivo, me aliviei ao conferir que a fachada passava segurança, conforto e até um certo luxo. Ao entrar pedi a recepcionista para eu ir ao banheiro, expliquei: Dinheiro...no sapato.

-Toma essa ficha, senta ali e preenche, traz ela aqui apenas com R$200,00.
-Eu quero entregar tudo, não pode?
-Não.
-Preencheu? Toma esse envelope, coloca o restante do dinheiro, não pode entrar com nada, toma esse bipe, quando ele vibrar vc entra.
Uma figura com a classe de uma aero-moça surgiu:
-Senta aqui e lê as instruções...

O ambiente era limpo, paredes verdes ilustradas por muitas gravuras, a maioria de Van Gogh..pobre Van Gogh. Seus quadros são a primeira visão de muitos anjos desencarnados diariamente, paisagens belas e peculiares que encarnam toda sua história de loucura. Sugeriria um Monet para esta hora, mais pacífico...
Já leu? Está vendo esse cabide? Aqui dentro tem duas vestimentas, toca, tira seu sapato e coloca nesse saco, tira a calcinha.

-E o dinheiro?

-Coloca o envelope no bolso de seu jaleco. O procedimento vai levar por volta de 45 

minutos, você primeiro vai passar pelo atendimento clínico, depois eu vou tirar sua 

pressão e depois vamos para a outra etapa. Espera ali.

-Fulana de tal, pode entrar, está sem calcinha? Doença de pai, doença de mãe, 

alergia?

E exame físico inútil e pronto, pode ir.

-Agora vamos para o financeiro.

Salinha minúscula, compartimento quase hermético, onde se paga o restante...sem 

recibo...assina um termo de responsabilidade (para se incriminar, é claro).

-Vai para aquela porta, sobe a escada e espera a porta abrir.
Agora é outra equipe.

-Já está sem calcinha?

-Estooou.

-Pode entrar.

-Ola tudo bem, sou o Doutor Fulano, prazer, deita.

-Eu vou apagar.

-Vai.

Senti apenas me braço caindo...a sensação foi que passaram 30 segundos, só percebi que já havia sido feito pela cólica e despertei para valer por que uma moça gritava do meu lado.

-Calma, assim você não vai se ajudar em nada.Eu virei para o lado e falei:

-Respira mais devagar...

-Está boa para levantar? 

E me vestiu rápido, e me levou para tomar o café. Lá estava a moça que continuava 
chorando. Perguntei qual era o seu nome.

-Tatiana, isso aqui é um açougue, muito desumano.Segurei as mãos dela, e perguntei o que ela esperava.

-Nós estamos erradas, o que fizemos não é certo¿ eu não espero perdão.

Ela baixou a cabeça e falou que não faria mais aquilo.

A VIDA NÃO É UMA BARGANHA, não pretendo ter boas atitudes para anular meus erros...aliás, vejo muitos pontos que devo ter acumulado como vãos, fáceis de se ganhar...fácil doar uma roupa, fácil doar uma palavra para quem não temos vínculo emocional...as maiores provas são as íntimas, as que dependeriam de sacrifício pessoal...nisso eu fui reprovada.

Fato é que o atendimento era perfeito, uma engrenagem que funciona, uma equipe muito bem orquestrada, uma gestão de dar inveja ao serviço público ao até a pequenos e médios empresários. Numa rápida conta de cabeça, calculei que eles devem faturar por volta de 1.000.000,00 por mês...certamente uma boa parte vai para algum órgão competente que os apadrinha.

A segunda parte dessa história veio na semana seguinte: 

Os pais escolhem e decidem ter filhos, a gestação, o parto...a criação são compromissos primordiais de quem teve essa escolha...o filho não tem o que escolher: Na ordem natural das coisas, você tem que conduzir à partida, daquele que te permitiu a chegada, é uma espécie de parto, na nossa ilusão, muito mais doloroso. E nessa “condução”, necessitei de um tipo de atendimento médico para meu pai , que este sim “Imbuido de razões humanas e sensibilidade”. Será?

Vou dar uma sugestão para o Ministério de Saúde aplicar nos Hospitais Públicos: 

Procurem a competência na ilicitude.

Não quero ouvir respostas do tipo: É o estado...a verba não é repassada...o salário é pequeno...que eu grito...FALTA HUMANIDADE, falta competência e acima de tudo falta respeito pela dignidade humana. Falta amor ao trabalho, falta missão...falta...

Peço aos pobres senhores diretores de hospital que percam o medo dos doentes terminais e o gráfico negativo que eles possam gerar no balanço de seu cargo. Peço aos mesmos diretores de clínicas que parem de mentir ao dizer que não realizam determinado procedimento, que na verdade realizam...mas não é para os seus pais.

Peço a todos que aceitaram cargo em hospital ou passaram em concurso público que compreendam que doença e burocracia não combinam, e que sempre temos a opção de tentar melhorar o ambiente ou abandoná-lo. Não percam suas vidas fazendo parte de um sistema desumano...tentem mudá-lo.

Não haviam quadros do Van Gogh na sala de hipodermia onde os pacientes ficavam abandonados, mas seriam apropriados talvez “o Corvo”, um Munch cairia bem com “O grito”...mas não tem nada para ilustrar além de olhos amarelos, cheiro sangue no chão (o chão me lembra Pollock) misturado com o cheiro de urina. A dor estampada em diversos rostos que não imaginam que não estão amparados. Cena de guerra...mulheres e homens no mesmo ambiente com sua intimidade exposta (isso chega a ser o de menos mas aí teremos Schielles, só pintores malditos).

Me lembrei muito da brincadeira do telefone sem fio! Uma equipe que chega, que não sabe onde a outra parou, que não sabe o que a outra fez...e se acham todos vítimas do governo. Pessoas boas, algumas pérolas, que imagino o quanto sofrem ao tentar trabalhar corretamente, pessoas que sabem o que é ética e missão.

Triste constatar o tipo de persuasão que necessitamos as vezes chegar...por vezes usei de jogo de cintura, de palavra mansa ou de palavras difíceis...outras de palavras ameaçadoras, estas as mais competentes. Feliz em saber que podemos requisitar força policial para persuadir ao atendimento.

Imagino as milhares de pessoas sem estudo nas mãos desse sistema, sem conhecer argumentos para “reclamar”, aceitando a cansativa explicação: “É o governo”....Mesmo assim tudo é vago...Podemos confiar nas equipes que conduzem esse último 
parto? Pois se para todos os procedimentos somos ignorantes, pra que explicação...bastaria credibilidade. Eu ainda não encontrei durante essa condução...Não me venham dizer para ter fé...gostaria de ter no homem, a fé que talvez eu não tenha mais em mim mesma, aqui, estamos nas mãos da incredulidade, e do silêncio que o quanto eu puder eu vou romper mesmo não sendo digna para isso.

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