sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Um sonho...

Num sonho, na beira de um penhasco, vi o tempo passar. Agarrada nas pedras e com medo de cair , vi civilizações indo e vindo, como se não fosses apenas esses últimos 32 anos os meus, como se não fosse apenas esse meu lugar, como se não fossem apenas esses meus amigos, filhos ou irmão.
Alguém me falava de assuntos os quais não compreendo: geografia, história, política, religião de diversos povos...em um sonho que provavelmente durou segundos, tive a sensação de compreender e fazer parte do universo, tive a sensação de como expectadora ter admirado uma obra completa e ter compreendido sua beleza e complexidade, não me lembro dos detalhes, apenas da sensação de estar chorando, de estar me sentindo pequena por ter compreendido o quanto do mundo eu perdi e o quanto eu não tenho consciência, o quanto virá ainda fora do meu controle...lamentei por todas as descobertas que não presenciei e pelas que não vou ter acesso.
Daqueles sonhos que se contarmos para um religioso, vai ver um fundo transcedental, para o cético , um fundo cientificista, um médico, constatará minha loucura, minha mãe pressagiará minha morte.Acordei e o que tenho de concreto são as tragédias dos meus últimos 32 anos, não as da humanidade...se perpetuou apenas a sensação de ainda estar em um abismo branco, me agarrando nas pedras para não cair, só que no sonho um interlocutor me explicava as coisas e me fazia companhia...prefiro não questionar qual sua origem...ele pode ser uma força ou uma alucinação...pois que seja! Sei que ele é algo que me mantém agarrada nas pedras e me ajuda a não cair, faça ele parte ou não da minha imaginação.

O resto









  












Tudo o que você quer

é a fruta podre
que restou no meu pomar.
Aos teus olhos "grandes coisas",
para mim, só o que me resta a doar...
... Já doei minha alma,
e ela está por aí a vagar,
...já doei meu suor,
só sobraram lágimas no lugar,
...doei de dia meu carinho,
recebi tapas ao luar.
O suco que rejeita,
já se foi na fruta hoje seca...
Tudo o que você quer
é o fruto podre
que restou no meu pomar.
No sumo todo se foi,
minha capacidade de amar.
Leva o resto:
Esse meu corpo,
cuja alma encontra-se enterrada
em algum outro lugar!!!

Instintos

Dissertação comum:- O que é o amor?
Obra de arte, que depende do expectador:
para o pragmático, amor não é sexo,
para o eclético todo amor vale a pena,
para o poético qualquer clichê rimado tem nexo,
para o insensível é algo patético,
pode ser ridículo, cético... vazio,
ter ou não explicação
-Onde começa?- Onde termina?
Pode começar no céu e terminar no chão
Passar do diálogo para o discurso,
e desse, para a discussão (antítese do gemido),
começo do gozo,
início para o monólogo,
estopim do grito!!
A ordem dos fatores não altera o produto:
devaneado pelo sensível
e arma tosca na mão do bruto...

Procura

Me deram essa vida insípida,
me jogaram neste mundo em que me castro,
marcaram em mim esta cara ríspida,
e ainda exigem que eu seja um astro.

Em meu mastro puseram uma bandeira
e me deram regras a seguir.
Quer eu queira, quer não queira,
de mim mesma vão me banir...

Por isso eu fujo de mim,
me escondendo nas noites,
e me envergonho de ser assim...
...ai meu eu!!! Prá onde fostes?!

-Eu fui pra lua,fui à rua,
fui a lugar nenhum.
-Fui em todos os lugares,
não achei amigo algum....

Origem e Destino

Não sei de onde se origina
O que sinto por ele
que é brinquedo de outra menina
mas apesar de tudo
sei pra onde se destina
visto que o amor dele ou não existe
ou é cego, surdo e mudo
Se destina ao esquecimento,
a um breve cruzar de esquina
Como o quadro na parede:
Cores fadadas ao empalidecimento
Mas deixe estar
Todo sentimento amadurece
E fruta madura
Ou você consome
Ou você a esquece

Pode dizer que não

Tanto nega que me deseja,
mas sua boca traidora
insinua para a minha
que sonhando me almeja...
Ah se eu pudesse!!
Deixaria com ela combinado:
provar que seu corpo,
enlouquece ao meu lado!
instigados pela minha boca,
teus olhos te trairiam,
começando um complô
olhando para onde não deveriam...
atravessando as barreiras da roupa
odores cítricos sairiam do seu peito
e outras partes te delatariam..
apontando que não sou louca...
e que vc é humano!
pronto!
Quando o corpo diz que sim...
inútil dizer que não!
O instinto sexual,
não deixa o amor calado,
fala com sua própria linguagem
de torpores, monossílabos...
gemidos sem nexo...
te mostraria seu corpo espelindo a alma
nosso amor materializado
no êxtase físico do sexo!

Carta aos meus desejos e loucuras

Profanos! Quase épicos!Mantenham o disfarce! Me permitam que eu passe o dia-a-dia por trás da minha máscara de santa.
Deixem minha crueldade enclausurada no meu âmago noturno!
Controlem-se para que eu possa sorvê-los dentro da minha “falsa sanidade”!
Limitem-se ao sarcasmo enquanto eu me faço de ingênua ou quase estúpida.
Se aquietem! Junto de vocês tenho que enclausurar minha luxúria e minha inteligência pagã...
Louvo! Pois são pedestal invisível da minha essência.
Tormentos internos e sob controle que me diferenciam dos olhares normais...
Protagonistas da minha egofilia,
Exterminadores do meu tédio,
Companheiros da minha solidão,
Musas da minha criação...
...imploro que se mantenham nessa linha tênue entre meu inconsciente e minha ação!
Não adormeçam, mas não acordem, permaneçam em transição.
Desejos e loucuras, negocio nesta carta que sejam apenas o meu diferencial,
Pois percebo que conspiram para migrar,
Do antônimo para o sinônimo
Da minha própria perdição...

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

अ camisola

A elegância são os modos, e não o que se tem, aprendi isso observando a minha avó...pra mim, a tradução de simplicidade e carinho.
No final da década de cinqüenta ela já estava casada e já tinha dois filhos, pobre...morava no Centro de Niterói, porém passados os anos, conseguiu se aposentar como inspetora do Instituto Liceu.
Trabalhando como inspetora, já conseguia realizar seus pequenos desejos de elegância, sempre de salto alto, meia calça preta com emenda...onde passava ficava o cheiro de Fleur de Rocaille, fazia suas próprias roupas como as das melhores vitrines. Quando eu era criança, ela não gostava que ninguém me visse antes que ela passasse um blush em minhas bochechas.
Além de sua vaidade simples e natural, guardo dela as lembranças de uma criatura que amava sem fazer força, que perdoava como se não houvesse nada a perdoar, que doava sem esperar nada em troca e que por vezes se permitia rir e cometer erros comparáveis a de uma criança, ou de uma mulher...
“Se me perguntarem se sei fazer um bordado, primeiro digo que sei, depois eu aprendo”. E aprendia...Aqui agora escrevendo, me dei por conta de por que ela sofreu tanto ao ter que vender a máquina de costura, me chamou chorando envergonhada, dizendo que me disse a vida toda que ia deixar a máquina pra mim e ia precisar vender. Falta de sensibilidade a minha de não compreender o porque...por que tudo começou por causa de uma camisola:

Passeando no Centro de Niterói ela parou na frente de uma boutique chamada “A Sedução”, era uma loja muito cara, onde as noivas ricas iam montar seu enxoval, parou extasiada em frente a uma camisola longa, branca, toda bordada em ponto Paris e nesse momento, entrou uma mulher muito elegante na loja, comprou exatamente aquela camisola, pagando em dinheiro. Foi pra casa pensando na vida, nas suas restrições e o que poderia fazer para vencê-las.
Começou a aprender ponto Paris, poucas costureiras sabiam com perfeição...começou a fazer e vender para a redondeza, até que “A Sedução” a chamou para ser costureira de lá.
Ela começou a produzir as camisolas iguais aquela que ela havia “idolatrado”, já tinha a sua? Não...
Ela juntou dinheiro, se arrumou, entrou na loja como cliente e comprou a camisola que ela mesma costurava.
Ela não parou mais. Tudo que ela modestamente queria, ela conseguia...nunca teve fartura, mas sempre gostou do capricho.
Envelheceu sem se preocupar em deixar os cabelos brancos...O que motivou ela foi uma vaidade? Que diga que sim quem não a conhecia...
Quando eu tinha seis anos, ela morava na Moreira Cezar, um porteiro que era amigo dela (como todos que a cercavam), foi pegar um bujão de gás e não me lembro por que motivo, o bujão explodiu em suas mãos e minha avó estava perto. Vendo o amigo sendo carbonizado, sem poder fazer nada, ela rasgava a própria roupa como se estivesse rasgando a dele...ela já não tinha mais apego algum...Já havia criado filhos, netos, filha dos outros e ainda tinha tempo e disposição para vender quentinhas, distribuir as sobras para as crianças de rua.
No tempo em que começou a trabalhar, e se tornar vaidosa, grande parte das irmãs (eram 16 irmãos ao todo), parou de falar com ela: Um cunhado a assediava, ela evitava mas também não contava para não fazer escândalos, porém quando descobriram, ele para se defender a acusou, toda a família ficou do lado dele, por que sabiam que ela não tinha um casamento perfeito, trabalhava fora, já havia tentado se divorciar...então: A culpa era dela...
Quem diria que canalhas envelhecem? Quando minha avó morreu, ele foi o cara que fez a tal da oração em seu túmulo e todas as irmãs compareceram, pois em suas velhices voltaram a se falar. E ela, quando teve uma oportunidade de voltar a conviver com as irmãs, voltou sem o menor rancor. Ela enterrou algumas e alegrou a vida de todas, chegando sempre para visitar ou recebendo em casa, sempre com um bolo fresco, um prato salgado e um sorriso.
Nos seus últimos 2 anos de vida, passei muito perto dela...já viúva, passava seu tempo pintando, já lia os livros de Zibia...Eu ia tomar café de tarde com ela quase todos os dias...Foi a primeira e mais dolorosa perda que tive em minha vida, mas eu aproveitei minha avó...e me aproveito diariamente de nossas boas lembranças, de sua força...Absolutamente todos que chegaram perto dela durante sua vida sentiram imediatamente a sua bondade. Nilcéa, o amor da minha vida:
Trabalhou muito, não tinha uma religião oficialmente, não ouvia músicas, não lia livros, não pode consumir o que mereceu durante a vida, mas quando eu penso em minha avó ouço melodias, sinto cheiros escrevo romances e penso em Deus.