segunda-feira, 30 de abril de 2012

Saudades do meu pai




Os pais escolhem e decidem ter filhos, a gestação, o parto...a criação são compromissos primordiais de quem teve essa escolha...o filho não tem o que escolher: Na ordem natural das coisas, você tem que conduzir à partida, daquele que te permitiu a chegada, é uma espécie de parto, na nossa ilusão, muito mais doloroso. E nessa “condução”, necessitei de um tipo de atendimento médico para meu pai , do tipo que se espera que seja  “Imbuido de razões humanas e sensibilidade”. Será?

Vou dar uma sugestão para o Ministério de Saúde aplicar nos Hospitais Públicos: Procurem a competência na ilicitude.

Não quero ouvir respostas do tipo: É o estado...a verba não é repassada...o salário é pequeno...que eu grito...FALTA HUMANIDADE, falta competência e acima de tudo falta respeito pela dignidade humana. Falta amor ao trabalho, falta missão...falta...

Peço aos pobres senhores diretores de hospital que percam o medo dos doentes terminais e o gráfico negativo que eles possam gerar no balanço de seu cargo. Peço aos mesmos diretores de clínicas que parem de mentir ao dizer que não realizam determinado procedimento, que na verdade realizam...mas não é para os seus pais.

Peço a todos que aceitaram cargo em hospital ou passaram em concurso público que compreendam que doença e burocracia não combinam, e que sempre temos a opção de tentar melhorar o ambiente ou abandoná-lo. Não percam suas vidas fazendo parte de um sistema desumano...tentem mudá-lo.

Não haviam quadros do Van Gogh na sala de hipodermia onde os pacientes ficavam abandonados, mas seriam apropriados talvez “o Corvo”, um Munch cairia bem com “O grito”...mas não tem nada para ilustrar além de olhos amarelos, cheiro  sangue no chão (o chão me lembra Pollock) misturado com o cheiro de urina. A dor estampada em diversos rostos que não imaginam que não estão amparados. Cena de guerra...mulheres e homens no mesmo ambiente com sua intimidade exposta (isso chega a ser o de menos mas aí teremos Schielles, só pintores malditos).

Me lembrei muito da brincadeira do telefone sem fio! Uma equipe que chega, que não sabe onde a outra parou, que não sabe o que a outra fez...e se acham todos vítimas do governo. Pessoas boas, algumas pérolas, que imagino o quanto sofrem ao tentar trabalhar corretamente, pessoas que sabem o que é ética e missão.

Triste constatar o tipo de persuasão que necessitamos as vezes chegar...por vezes usei de jogo de cintura, de palavra mansa ou de palavras difíceis...outras de palavras ameaçadoras, estas as mais competentes. Feliz em saber que podemos requisitar força policial para persuadir ao atendimento.

Imagino as milhares de pessoas sem estudo nas mãos desse sistema, sem  conhecer argumentos para “reclamar”, aceitando a cansativa explicação: “É o governo”....

Mesmo assim tudo é vago...Podemos confiar nas equipes que conduzem esse último parto? Pois se para todos os procedimentos somos ignorantes, pra que explicação...bastaria credibilidade. Eu não encontrei essa tal credibilidade durante essa condução...Não me venham dizer para ter fé... eu tenho, mas gostaria de ter no homem, a fé que talvez eu não tenha mais em mim mesma. Estamos nas mãos da incredulidade, e do silêncio que o quanto eu puder eu vou romper mesmo não sendo digna para isso.

É...a vida continua, e a morte a desmistifica, a simplifica e a torna banal.

Só perdendo alguém nos damos por conta, finalmente de  que tudo é passageiro, pouco é nosso e quase tudo emprestado. Como e pra que continuar essa jornada? Sorrindo? Sorrir na certeza de que aqui somos clandestinos é muito difícil, mas vale o esforço sorrir para ajudar aos que estão no início de uma caminhada, e na certeza de que solidão é apenas saudade que um dia vai ser esgotada.

Talvez eu tivesse acreditado até hoje que a fé me traria um 0800 espiritual  de consolo...onde com uma linha direta, eu teria notícias daquele que sempre quis saber a hora que eu sairia ou iria chegar. É as notícias não chegam mesmo, e eu me sinto talvez como ele se sentia nas noites em que eu saia sem dar notícias e ele ficava me esperando na porta. Eu acredito que ele está em algum lugar, mas não sei como, isso é desconfortante, além da saudade.

A fila anda...é isso também que a perda te mostra...continua caminhando e de cabeça erguida...faz algo que ele tenha feito, e coisas que ele deixou de fazer...tenha tempo para seus filhos...ame...seja carinhoso...diga hoje o que sente...trabalhe muito sem deixar de relaxar...

Apesar da perda, acredito que em algum lugar ele e outros laços que cultivei, que consegui amar apesar de desavenças, que consegui perdoar e ser perdoada, que não se mantiveram por valores superficiais...estão aqui e lá, perenes, na verdade, a única força perene da natureza, e é por ela que devemos continuar sorrindo.

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