Eu
nunca fui à lua, sei que estou perdendo, mas consigo viver sem ela
por que nunca estive lá, se eu a conhecesse e viesse embora,
sofreria de saudades. Eu poderia chegar à lua, e ficar decepcionada:
Esperava que ela fosse melhor. Ou seja, nascer cego, pode ser menos
doloroso do que adquirir a cegueira.
Como
serão as fantasias daqueles que não enxergam? Tem cheiro? Sabor?
Como imaginam as formas? Talvez existam sentidos, que nós
desconhecemos, mas vivemos sem eles. Vivemos? Como se sentir atraído
sem ver? O que é ver? O que vemos sem os olhos?
Bom,
nosso pescador nasceu cego. Recebeu boa educação dos seus pais,
tudo para a sua sobrevivência, aprendeu bem o ofício, e dele
depende completamente. Às vezes não tem peixe, tem temporadas de
chuva, mas ele aprendeu a salgar e conservar seu alimento.
Certa
manhã, ele acordou, abriu os olhos e achou que era um sonho
estranho, mas na verdade ele estava enxergando, tudo, tudo,
tudo...Então ele correu para a praia, olhou para a areia, entendeu
como é o azul do mar e do céu, tentou fitar o sol, recolheu flores
coloridas, foi pescar e desta vez até mergulhou para ver o fundo do
oceano, viu uma enorme ostra, que ele não sabia que era ostra, pegou
peixes com as mãos e admirou o brilho das escamas, quis aproveitar a
noite e conheceu uma linda mulher, e se apaixonou.
Foi
dormir, sonhou com tudo que viu durante o dia. Acordou novamente na
escuridão. Sentiu que perdeu o mar, a areia perdeu o sentido, das
flores só restou o cheiro, entendeu que poderia ter ficado rico
pegando as ostras e se casou com aquela mulher.
Tentou
conservar o sonho, mas foi ficando turvo...as lembranças de como as
coisas eram, foram perdidas, sobreviveu apenas o sentimento de perda.
Sua mulher ele tocava quase todos os dias e sua voz parecia mais
cansada, e sua pele menos lisa, os cabelos menos sedosos, os seios
mais murchos...mas ele ia pescar todos os dias.
Mesmo
sem enxergar, mergulhava todos os dias para encontrar a ostra. Ostra?
Uma casca dura, que se abre um pouquinho todos os dias para se
alimentar, dentro delas tem uma manta, o nácar , e a ferida nesta
manta, causada mais comumente por um grão de areia, cria uma reação
de defesa: A pérola. Quanto mais feridas tem uma ostra, mais ela
cria pérolas.
Cada
dia o pescador saia do mar com um crustáceo diferente, conchas
diferentes, mas o informavam: Não é uma ostra.
Uma
vez passou dias abraçado a uma concha, crendo ser uma ostra, quando
levou ao comerciante, ele o informou: Não é uma ostra! Que
decepção...
Em
seu lar, dentro de um galão, foram se acumulando esses “enganos de
ostras” de todos os tipos. Alguns ele colocou até para enfeitar a
casa, crendo ser belo.
O
pescador gastou muitos dias em seu ofício, os filhos cresceram bem
alimentados, a mulher sempre ao seu lado porém só. Pois o tempo
passou, e os cheiros do mar eram mais agradáveis que a rotina. O
pior, a rotina no escuro, de poucos sentidos. Mas ele acreditava
piamente que estava fazendo a parte dele, por que voltava pra casa
com o peixe, e assim havia feito seu pai, ensinado pelo seu avô, que
aprendeu com seu bisavô e assim por diante. Bastava cumprir sua
missão e voltar para casa com o peixe, alimentar e vestir é ser bom
pai, e ser bom marido é voltar para casa.
Depois
de anos, tornou a ocorrer o mesmo milagre: acordou enxergando! Crente
que perderia a visão no mesmo dia, refez todo o caminho da outra
vez, não encontrou a ostra, mas ele foi dormir e acordou ainda
enxergando...todos os dias.
As
coisas não eram mais tão belas como ele lembrava, a mulher
envelheceu, a casa também, os objetos, algumas coisas como o mar, o
sol e o céu continuaram lindos, mas nada da ostra aparecer. Sempre
os mesmos mergulhos, e nada... Revirou o galão na esperança dela lá
estar.
Gastou sua energia na claridade, da mesma forma que gastou na
cegueira...mas não encontrou. Talvez ela nunca tenha existido, ou
quem sabe ele ainda não tinha total capacidade de enxergar. Mas ele
procurou a vida inteira...por essa casca, cujas feridas viram uma
jóia. Partiu pobre e sem entender que produziu pérolas a vida toda,
com a mesma contribuição da areia ferindo o nácar de todos que o
rodeavam, nenhuma luz foi capaz de abrandar sua escuridão.
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