segunda-feira, 30 de abril de 2012

O pescador cego e a ostra



Eu nunca fui à lua, sei que estou perdendo, mas consigo viver sem ela por que nunca estive lá, se eu a conhecesse e viesse embora, sofreria de saudades. Eu poderia chegar à lua, e ficar decepcionada: Esperava que ela fosse melhor. Ou seja, nascer cego, pode ser menos doloroso do que adquirir a cegueira.
Como serão as fantasias daqueles que não enxergam? Tem cheiro? Sabor? Como imaginam as formas? Talvez existam sentidos, que nós desconhecemos, mas vivemos sem eles. Vivemos? Como se sentir atraído sem ver? O que é ver? O que vemos sem os olhos?
Bom, nosso pescador nasceu cego. Recebeu boa educação dos seus pais, tudo para a sua sobrevivência, aprendeu bem o ofício, e dele depende completamente. Às vezes não tem peixe, tem temporadas de chuva, mas ele aprendeu a salgar e conservar seu alimento.
Certa manhã, ele acordou, abriu os olhos e achou que era um sonho estranho, mas na verdade ele estava enxergando, tudo, tudo, tudo...Então ele correu para a praia, olhou para a areia, entendeu como é o azul do mar e do céu, tentou fitar o sol, recolheu flores coloridas, foi pescar e desta vez até mergulhou para ver o fundo do oceano, viu uma enorme ostra, que ele não sabia que era ostra, pegou peixes com as mãos e admirou o brilho das escamas, quis aproveitar a noite e conheceu uma linda mulher, e se apaixonou.
Foi dormir, sonhou com tudo que viu durante o dia. Acordou novamente na escuridão. Sentiu que perdeu o mar, a areia perdeu o sentido, das flores só restou o cheiro, entendeu que poderia ter ficado rico pegando as ostras e se casou com aquela mulher.
Tentou conservar o sonho, mas foi ficando turvo...as lembranças de como as coisas eram, foram perdidas, sobreviveu apenas o sentimento de perda. Sua mulher ele tocava quase todos os dias e sua voz parecia mais cansada, e sua pele menos lisa, os cabelos menos sedosos, os seios mais murchos...mas ele ia pescar todos os dias.
Mesmo sem enxergar, mergulhava todos os dias para encontrar a ostra. Ostra? Uma casca dura, que se abre um pouquinho todos os dias para se alimentar, dentro delas tem uma manta, o nácar , e a ferida nesta manta, causada mais comumente por um grão de areia, cria uma reação de defesa: A pérola. Quanto mais feridas tem uma ostra, mais ela cria pérolas.
Cada dia o pescador saia do mar com um crustáceo diferente, conchas diferentes, mas o informavam: Não é uma ostra.
Uma vez passou dias abraçado a uma concha, crendo ser uma ostra, quando levou ao comerciante, ele o informou: Não é uma ostra! Que decepção...
Em seu lar, dentro de um galão, foram se acumulando esses “enganos de ostras” de todos os tipos. Alguns ele colocou até para enfeitar a casa, crendo ser belo.
O pescador gastou muitos dias em seu ofício, os filhos cresceram bem alimentados, a mulher sempre ao seu lado porém só. Pois o tempo passou, e os cheiros do mar eram mais agradáveis que a rotina. O pior, a rotina no escuro, de poucos sentidos. Mas ele acreditava piamente que estava fazendo a parte dele, por que voltava pra casa com o peixe, e assim havia feito seu pai, ensinado pelo seu avô, que aprendeu com seu bisavô e assim por diante. Bastava cumprir sua missão e voltar para casa com o peixe, alimentar e vestir é ser bom pai, e ser bom marido é voltar para casa.
Depois de anos, tornou a ocorrer o mesmo milagre: acordou enxergando! Crente que perderia a visão no mesmo dia, refez todo o caminho da outra vez, não encontrou a ostra, mas ele foi dormir e acordou ainda enxergando...todos os dias.
As coisas não eram mais tão belas como ele lembrava, a mulher envelheceu, a casa também, os objetos, algumas coisas como o mar, o sol e o céu continuaram lindos, mas nada da ostra aparecer. Sempre os mesmos mergulhos, e nada... Revirou o galão na esperança dela lá estar.
Gastou sua energia na claridade, da mesma forma que gastou na cegueira...mas não encontrou. Talvez ela nunca tenha existido, ou quem sabe ele ainda não tinha total capacidade de enxergar. Mas ele procurou a vida inteira...por essa casca, cujas feridas viram uma jóia. Partiu pobre e sem entender que produziu pérolas a vida toda, com a mesma contribuição da areia ferindo o nácar de todos que o rodeavam, nenhuma luz foi capaz de abrandar sua escuridão.

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