quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

अ camisola

A elegância são os modos, e não o que se tem, aprendi isso observando a minha avó...pra mim, a tradução de simplicidade e carinho.
No final da década de cinqüenta ela já estava casada e já tinha dois filhos, pobre...morava no Centro de Niterói, porém passados os anos, conseguiu se aposentar como inspetora do Instituto Liceu.
Trabalhando como inspetora, já conseguia realizar seus pequenos desejos de elegância, sempre de salto alto, meia calça preta com emenda...onde passava ficava o cheiro de Fleur de Rocaille, fazia suas próprias roupas como as das melhores vitrines. Quando eu era criança, ela não gostava que ninguém me visse antes que ela passasse um blush em minhas bochechas.
Além de sua vaidade simples e natural, guardo dela as lembranças de uma criatura que amava sem fazer força, que perdoava como se não houvesse nada a perdoar, que doava sem esperar nada em troca e que por vezes se permitia rir e cometer erros comparáveis a de uma criança, ou de uma mulher...
“Se me perguntarem se sei fazer um bordado, primeiro digo que sei, depois eu aprendo”. E aprendia...Aqui agora escrevendo, me dei por conta de por que ela sofreu tanto ao ter que vender a máquina de costura, me chamou chorando envergonhada, dizendo que me disse a vida toda que ia deixar a máquina pra mim e ia precisar vender. Falta de sensibilidade a minha de não compreender o porque...por que tudo começou por causa de uma camisola:

Passeando no Centro de Niterói ela parou na frente de uma boutique chamada “A Sedução”, era uma loja muito cara, onde as noivas ricas iam montar seu enxoval, parou extasiada em frente a uma camisola longa, branca, toda bordada em ponto Paris e nesse momento, entrou uma mulher muito elegante na loja, comprou exatamente aquela camisola, pagando em dinheiro. Foi pra casa pensando na vida, nas suas restrições e o que poderia fazer para vencê-las.
Começou a aprender ponto Paris, poucas costureiras sabiam com perfeição...começou a fazer e vender para a redondeza, até que “A Sedução” a chamou para ser costureira de lá.
Ela começou a produzir as camisolas iguais aquela que ela havia “idolatrado”, já tinha a sua? Não...
Ela juntou dinheiro, se arrumou, entrou na loja como cliente e comprou a camisola que ela mesma costurava.
Ela não parou mais. Tudo que ela modestamente queria, ela conseguia...nunca teve fartura, mas sempre gostou do capricho.
Envelheceu sem se preocupar em deixar os cabelos brancos...O que motivou ela foi uma vaidade? Que diga que sim quem não a conhecia...
Quando eu tinha seis anos, ela morava na Moreira Cezar, um porteiro que era amigo dela (como todos que a cercavam), foi pegar um bujão de gás e não me lembro por que motivo, o bujão explodiu em suas mãos e minha avó estava perto. Vendo o amigo sendo carbonizado, sem poder fazer nada, ela rasgava a própria roupa como se estivesse rasgando a dele...ela já não tinha mais apego algum...Já havia criado filhos, netos, filha dos outros e ainda tinha tempo e disposição para vender quentinhas, distribuir as sobras para as crianças de rua.
No tempo em que começou a trabalhar, e se tornar vaidosa, grande parte das irmãs (eram 16 irmãos ao todo), parou de falar com ela: Um cunhado a assediava, ela evitava mas também não contava para não fazer escândalos, porém quando descobriram, ele para se defender a acusou, toda a família ficou do lado dele, por que sabiam que ela não tinha um casamento perfeito, trabalhava fora, já havia tentado se divorciar...então: A culpa era dela...
Quem diria que canalhas envelhecem? Quando minha avó morreu, ele foi o cara que fez a tal da oração em seu túmulo e todas as irmãs compareceram, pois em suas velhices voltaram a se falar. E ela, quando teve uma oportunidade de voltar a conviver com as irmãs, voltou sem o menor rancor. Ela enterrou algumas e alegrou a vida de todas, chegando sempre para visitar ou recebendo em casa, sempre com um bolo fresco, um prato salgado e um sorriso.
Nos seus últimos 2 anos de vida, passei muito perto dela...já viúva, passava seu tempo pintando, já lia os livros de Zibia...Eu ia tomar café de tarde com ela quase todos os dias...Foi a primeira e mais dolorosa perda que tive em minha vida, mas eu aproveitei minha avó...e me aproveito diariamente de nossas boas lembranças, de sua força...Absolutamente todos que chegaram perto dela durante sua vida sentiram imediatamente a sua bondade. Nilcéa, o amor da minha vida:
Trabalhou muito, não tinha uma religião oficialmente, não ouvia músicas, não lia livros, não pode consumir o que mereceu durante a vida, mas quando eu penso em minha avó ouço melodias, sinto cheiros escrevo romances e penso em Deus.

Nenhum comentário: